quinta-feira, fevereiro 27, 2014

(Simples refém - Pedro Melo)

Eu não vou olhar nos teus olhos
não vou dizer o que eu tenho dito sempre
vou encolher a visão ao chegar da noite
cessar o movimento dos braços
enquanto me entrego às horas escuras

Não é por querer que farei coisa qualquer
a essência não costuma  pedir licença
chega de repente, calada
no impulso de uma vida que aguarda

Escolher cansa a vista
desperdiça o enigma
e faz perder sempre

Nada deve ser dito a não ser o silêncio
nesse minuto só ouço o vento
e nada por mais incrível
me parece ser assim conveniente
nem mesmo uma página em branco
pronta para ser devorada
com unhas e dentes

O cansaço é a vontade perdida
e é tão bom que assim possa ser a vida
chato mesmo é chegar em algum lugar
só pra descobrir que a verdade não existe

O necessário nos faz ausentes
doentes de nós mesmos
cansa os pensamentos e invade os apelos
sem devolver a novidade do tempo perdido

Nesse segundo tudo parou
sou refém das lagartixas desavisadas
comendo mosquitos nas paredes nuas
enquanto a lua espera lá fora

O mundo parou e o tempo não está aqui
nem mesmo o sussurro dos ponteiros
 poderiam fazer essa paz diminuir

Tudo é cego e ouço um zumbido
não é questão de abrigo
é o simples estar sem perceber
observação pode ser
mas pode também não ser.